Zé dos Eclipses / Carlos Fortes
São ventos animais,
Rugidos, trovões,
Crescem dentro, dentro
Até nunca mais.
São feras nos quintais,
Corações felpudos,
Saltam dentro, dentro
Em acrobacias bestiais.
São anjos desleais,
Agentes secretos,
Do fundo, dentro, dentro
Sopram vendavais.
São ventos animais,
Doenças, traições,
Crescem dentro, dentro
Até nunca mais.
Miguel Pedro
Zé dos Eclipses / Zé dos Eclipses
Na velha mansão ao poente
Mulheres de olhos esvaídos
Quietas, abandonam-se ao vento,
Claustros na luz esquecidos.
Como um anjo a chorar
O sangrar de rosa fulvas,
Ronda a noite o dolente arfar
Da beleza das viúvas.
Desmaia, irmã, desmaia.
Desmaia, irmã, desmaia.
Sombras invadem os corredores,
Gritos e lâminas afiadas
Tingem de sangue os lençóis,
Bandeiras no amor desfraldadas.
E o sol deita-se cansado
Enquanto os santos desfigurados
Deslizam com a morte
Num sono profundo.
Desmaia, irmã, desmaia.
Desmaia, irmã, desmaia.
Na velha mansão ao poente
Mulheres de olhos esvaídos
Quietas, abandonam-se ao vento,
Claustros na luz esquecidos.
Como um anjo a chorar
A beleza das viúvas
Ronda a noite o último arfar
Do sangue, entornado em golfadas turvas.
Desmaia, irmã, desmaia.
Desmaia, irmã, desmaia.
Zé dos Eclipses / Carlos Fortes
Ai, a vida é um sonho
E este punhal uma ilusão
Que seguro firme contra o corpo,
Metal frio de carne sedento.
Entre a noite e a tua morte
Comunica-se um hálito secreto,
Uma atracção indizível
Que o fio da lâmina pressente.
Na penumbra do teu quarto
O meu brilho é intenso
Como um fogo fátuo.
Do corpo à sombra
Vai um abismo
Que a luz desconhece
Mas insistentemente procura.
Aí dorme um segredo
Que só a carne conhece:
Das trevas nasce a luz
Mas a luz sempre às trevas regressa.
Na penumbra do teu quarto
O meu brilho é intenso
Como um fogo fátuo.
Adolfo Luxúria Canibal, Zé dos Eclipses / Mão Morta
Destilo ódio!
Odeio o teu esqueleto ciumento
E os seus ornamentos de suicida
Destilo ódio!
Odeio as tuas tesouras perversas
Destilo ódio!
Odeio a colecção de animais embalsamados
Que escondes nas gavetas do teu quarto
Destilo ódio!
Odeio essas peçonhentas mãos de bruxa
E a obscenidade das tuas unhas
Destilo ódio!
Odeio-te amuleto maligno
Que me intoxicas os sonhos com esse hálito pérfido
Que até o metal corrompe
Destilo ódio!
Odeio-te barca sonâmbula
Destilo ódio!
Odeio-te farol esclerosado
Onde a luz cresce mutilada
Destilo ódio!
Odeio-te morte mansa
Que forras de veludo as paredes desta alcova
Destilo ódio!
Odeio-te maldita celerada
Adolfo Luxúria Canibal / Mão Morta
Das ternas horas do passado
Resta a penumbra
Em espelhos de bruma
A memória reflectindo –
Sangrentas rosas de um amor cruel
Carlos Fortes
Adolfo Luxúria Canibal / Zé dos Eclipses
Maria
No regresso a casa
Vi dois elfos a brincar
Oh Maria
E dois outros a sangrar...
As trevas estão por aí, escondidas
À espera que eu apague a luz
Para se lançarem sobre mim!
Maria
No regresso a casa
Vi dois olhos a brilhar
Oh Maria
E dois outros a cegar...
As trevas estão por aí, escondidas
À espera que eu apague a luz
Para se lançarem sobre mim!
Maria
Tenho medo, medo
Do que pode acontecer
Oh Maria
Do que está para ocorrer!...
As trevas estão por aí, escondidas
À espera que eu apague a luz
Para se lançarem sobre mim!
tradicional Comanche, Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro
Djá i dju nibá u
I dju nibá i djá nibá u
Djá i dju nibá i ná ê né ná
I djai i nai ni ná
I dju nibá u
I dju nibá i dju nibá u
Djá i dju nibá i djá ê né ná
É uma selvajaria!
Miguel Pedro
Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro
Vi homens quererem a morte
Por terem morto o seu amor
Que assombro lhes apressa o passo?
Que álcool provoca tal ardor?
Não há palavras que descrevam
Quão funda pode ser a dor
Às vezes basta uma palavra
Um silêncio um gesto apenas
Logo o sonho se desmorona
Turvando as mentes mais serenas
Vi homens quererem a morte
Por terem morto o seu amor
Adolfo Luxúria Canibal / Zé dos Eclipses
Vivia na temperatura tépida dos lençóis
Aquele que dava pelo estranho nome
De Amor. Às vezes, soltava-se
E percorria pela mão
Dos adolescentes ruas desertas, sombras
Escuras e conspiradoras. – Soltou-se
O Amor – alguém gritava.
E vinha o vermelho e invadia
O vermelho
E assanhavam-se os gatos conscientes
Da invasão da sua noite
Solitária. Depois apagava-se
A última luz da última janela e desaparecia
O Amor na tepidez dos lençóis. Ficava
A lua, ficava o luar
Azul a reflectir perigosamente
Nas lâminas das facas ensanguentadas
Dos adolescentes...
Zé dos Eclipses
Gravado em Setembro e Dezembro de 1989 e misturado em Fevereiro de 1990 por Fernando Rascão nos Estúdios de Paço D’Arcos – Oeiras. Produção de Mão Morta e Fernando Rascão. Capa de José Carlos Costa. Editado em Setembro de 1990. Edição original Fungui.
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