Mão
Morta

mão morta tricot

Tricot (LP)

Intro

Miguel Pedro

Com as Próprias Tripas

Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro

Preso às estrelas por um fio de sangue,
Um homem, com labaredas à roda da cintura,
Farto de fazer tricot com as próprias tripas,
Deixa que o vento lhe seque os olhos
E se encham os copos em louvor da sua morte –
O mais belo espectáculo de horror!

A Dança das Raparigas

Adolfo Luxúria Canibal / António Rafael

Numa casa onde os mortos dançam com os espelhos
Que se escondem no tempo da infância,
Eu beijei o crânio azul da noite
Rindo para a criança suspensa da janela,
Escorrendo sangue,
Até que mão violenta a arranque à vida.
Da janela sinto o mundo fremente,
O cego a urinar no cego,
E o doce cheiro do enxofre que anuncia a Aurora Boreal.
Tudo renasce num ciclo de fogo:
Mil crimes de amor numa torre de marfim,
Como um vómito do coração!
Um comboio passa por um espelho e desfaz-se.
As raparigas continuam a dançar freneticamente
Com as crinas acariciando o vento
E o gosto do sangue espalhado por toda a parte.
No meio da sombra há uma mulher,
Há um rosto que reflecte tudo isto:
Fica só no coração da noite,
Como um tempo de murmúrios e de danação!

As raparigas continuam a dançar freneticamente
Com as crinas acariciando o vento
E o gosto do sangue espalhado por toda a parte.
Um comboio passa por um espelho e desfaz-se.
Tudo renasce num ciclo de fogo:
Mil crimes de amor numa torre de marfim,
Como um vómito do coração!
E o gosto do sangue espalhado por toda a parte.
Como um tempo de murmúrios e de danação!

Dias de Abandono

Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro

Eu vendo sonhos às mulheres desdentadas
E aqui nos tens, infectados pelo teu amor,
Quando todos os olhos se dirigem para ti.
Foi-se a idade da bala no céu-da-boca
E agora as pessoas andam ao acaso pela cidade
A desenrolar devagarinho o grosso novelo da angústia,
Até que deus venha ressuscitar os mortos.
Estes são dias de abandono
E o tempo uma vez mais está contra nós.
A regra do jogo é caminhar de mãos vazias,
Relinchando de um terror empoeirado
Algures fora do mundo.
Vivemos numa época que adora matar as coisas bonitas
E por comida até os pássaros brigam –
Nem os velhos deuses causam já medo!
Na noite passada sonhei que espancava malmequeres;
Uma vez vi um demónio numa labareda de fogo –
Nesse dia começou a fome!

Céu-da-boca

Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro

Sob o meu tecto espancam grávidas,
Matam-nas com explosões e cães alucinados
Pelas fêmeas que seguram os filhos com os dentes.
Mulheres ouvem tudo com a garganta amarrada
E os rostos pálidos de horror –
Que céu poderá formar-se no interior das suas bocas?

As aranhas

Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro

As pessoas à tua volta levantam a cabeça dos ecrãs
Enquanto os teus cabelos acariciam o terror
Assumindo o fracasso do tempo passado.
Já tenho faca para cortar o sossego,
As paisagens que foste incendiando,
Os cadáveres dos meus dias…
Vejo as imagens na televisão,
Todos os mortos que sobem ao céu
Com os olhos fitos e os peitos esmagados.
Sou eu que volto à minha infância,
Ainda no ar aquele sentido que as coisas emanavam.
Vivi como um louco e desperdicei o meu tempo.
Ela brincava com a gata e era admirável…
O tiro de pistola, o grito da mulher…
Depois as aranhas tomaram conta de tudo.

O relógio da igreja anuncia um tempo ignorado.
O homem rasteja, semelhante ao verme,
E a sua voz vem de longe.
Vi dorsos a contorcerem-se à volta da sua dor,
Durante minutos baixaram as facas e ficaram a olhar.
Os pássaros começaram a cantar
Amanhã continuarás vivo!
Amanhã continuarás vivo!
Amanhã continuarás vivo!
Depois as aranhas tomaram conta de tudo.

Desafinado

Miguel Pedro

Sozinho com o tédio

Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro

Sozinho com o tédio
Que nos agarra de repente
A noite não se torna
Subitamente respirável.
Depois de ter torcido
O pescoço a um barbudo
Que pedir a um homem
Que caminha para a morte?
Sozinho com o tédio
Subitamente respirável
Que pedir a um homem
Que nos agarra de repente?
Depois de ter torcido
O pescoço de um barbudo
A noite não se torna
Subitamente respirável.
Que pedir a um barbudo
Que caminha para a morte
Sozinho com o tédio?
Que pedir a um homem
Que caminha para a morte
E nos agarra de repente?

Aprendemos a rir

Adolfo Luxúria Canibal / António Rafael

Quente e pesado, o vento levanta-se e passa
Como um rumor de assassinos tramando conjuras.
Aqui e acolá ouve-se um grito de socorro
Ou a notícia de um atentado transmitida na rádio.
Aves nocturnas e mulheres da noite espalham-se pelos jardins,
Pombos pavoneiam-se no telhado do hospital,
Prostitutas consolam clientes nos camiões.
É então que aprendemos a rir.

Quente e pesado, o vento levanta-se e passa
Como um rumor de assassinos tramando conjuras.
É então que aprendemos a rir.

mão morta tricot

Ficha técnica

Gravado ao vivo em 21 de Janeiro de 2023 por Mário XL na Black Box do GNRation – Braga e misturado em Fevereiro e Março de 2023 por Ruca Lacerda no Largo Recording Studio – Porto. Masterizado em Março e Abril de 2023 por Frederico Cristiano no Mechanical Heart Mastering Sessions – Braga. Capa de Sónia Teixeira Pinto sobre desenho de José Carlos Costa. Editado em Setembro de 2023. Edição original Rastilho.

  • Adolfo Luxúria Canibal – voz
  • Miguel Pedro – electrónica, bateria, percussões
  • António Rafael – electrónica, teclas, guitarra
  • Vasco Vaz – guitarra
  • Ruca Lacerda – guitarra, percussões processadas, efeitos de voz
  • Rui Leal – baixo, contrabaixo
  • Pedro Sousa – saxofone

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