Mão
Morta

mão morta tricot

ATÉ CAIR:
AS PRIMEIRAS GRAVAÇÕES 1985-1986

E SE DEPOIS

Zé dos Eclipses / Zé dos Eclipses, Miguel Pedro

E se depois O sangue ainda correr Corre atrás dele E se depois O fogo te perseguir Aquece-te nele E se depois O desejo persistir Consome-te nele E se depois O sangue ainda correr Corre atrás dele E se depois

BÓFIA

Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro, Zé dos Eclipses

O bófia empurrava-me e dizia para desandar. Eu não podia compreender porquê. Quis-lhe perguntar. O bófia sacou do cassetete e deu-me com ele uma, duas, três vezes nos costados. Senti um choque eléctrico percorrer-me o corpo. E uma humilhação que não podia ficar impune. Não percebia porque é que ele me batia. Quis-lhe perguntar. Mas o gajo continuou a dar-me cacetadas. E já outros bófias se aproximavam de cassetete na mão. Não ia ficar para ali, especado, feito bombo da festa. Uma raiva surda trepava-me à cabeça. Ah que raiva! Quando dou conta mandava-lhe uma joelhada aos tomates. Senti-os a espalmar de encontro ao joelho. Já os outros bófias descarregavam sobre mim os seus cassetetes virados ao contrário. Senti uma dor de vertigem quando um me acertou na cara. Percebi que a carne se rasgava e que um esguicho de sangue me inundava os olhos. Já me acertavam por todos os lados. Mas não interessava. Já nada interessava. Sede de sangue! Sede de sangue! Já nada interessava. A não ser aquele bófia agarrado aos tomates. Num último esforço disparo-lhe um pontapé à cara. Assim, de baixo para cima – pás! Senti a biqueira da bota entrar-lhe pelas fuças dentro. Os ossos a quebrar. Os dentes a saltar numa baba de cuspo e sangue. Os outros bófias continuavam a descarregar sobre mim os seus cassetetes virados ao contrário. Mas eu já nada via. Só sangue. Dores. Senti-me dobrar. Cair. Aaaaaaaaahhh!...

CHABALA

Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro

Abriu a primeira porta que viu à mão e entrou Os seus olhos fotografaram instantaneamente o quarto Viu-a pelo espelho, imóvel, no limiar da porta Ela adiantou-se; ele tirou a pistola da algibeira Estremeceu na noite fria envolta em nevoeiro Havia vagões e pilhas de carvão por todos os lados Dentro da casa não havia sinal de vida Enfiado pela chaminé estava um corpo de mulher

Quem matou a chabala?

ABANDONADA

Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro

Abandonada à beira rio Pela calada da noite A cidade apodrece. Remexendo no visco Como ratazanas dos esgotos Ansiando alimento Percorrem-se as vielas. O amor, sublimada filigrana Submergido pelo lodo Torna-se disforme Destroço asfixiado em desperdícios... E o sol fotografa-nos No vómito de uma dor imensa Derradeira!

VÉUS CAÍDOS

Zé dos Eclipses / Zé dos Eclipses

Das garrafas há muito entornadas Onde as cinzas dos mortos repousam Crescem flores enegrecidas Onde anjos malditos pernoitam Das mulheres que eles amaram Jamais se despregaram Os negros véus sempre caídos O pranto sempre vestido Os demónios fervorosamente escondidos Mãe! Mulher! Nascida dos ratos Mãe! Mulher! Fermentada no armazém Súcubo! Procuras-me enforcado Súcubo! Visitas-me desmaiado

FACAS EM SANGUE

Adolfo Luxúria Canibal / Zé dos Eclipses

Vivia na temperatura tépida dos lençóis Aquele que dava pelo estranho nome De Amor. Às vezes, soltava-se E percorria pela mão Dos adolescentes ruas desertas, sombras Escuras e conspiradoras. – Soltou-se O Amor – alguém gritava. E vinha o vermelho e invadia O vermelho E assanhavam-se os gatos conscientes Da invasão da sua noite Solitária. Depois apagava-se A última luz da última janela e desaparecia O Amor na tepidez dos lençóis. Ficava A lua, ficava o luar Azul a reflectir perigosamente Nas lâminas das facas ensanguentadas Dos adolescentes...

OUB’ LÁ

Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro

Oub´lá que é que estás a fazer? Quero é que tu te bás foder! Qual é a tua identidade? Perdi-a aí pela cidade! Para que é que estás todo à manière? Ando a ber se faço uma mulher! Rouba! Rouba! Rouba! Rouba! Os que te querem bem! Rouba! Rouba! Rouba! Rouba! Os que te querem mal! Oub' lá que é que estás a fazer? Quero é que tu te bás foder! Qual é a tua identidade? Perdi-a aí pela cidade! Que fazes c' a carteira do Tó? Quero guita para ir buscar pó! Rouba! Rouba! Rouba! Rouba! Os que te querem bem! Rouba! Rouba! Rouba! Rouba! Os que te querem mal!

1º DE NOVEMBRO

Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro

Um traço um berço Dois destinos que se cruzam na lonjura da distância Erva fálica pelo caminho Distúrbios subúrbios Automóveis ferrugentos desenhando o horizonte Os paralelos asfixiam a alma Solidão saudade Romagens romaria aos queridos defuntos Carcaças abandonadas ao passado Lágrimas fábricas Tempo invernoso sublinhando a ausência A música ouve-se triste Solidão! Saudade! Romagens! Romarias! Solidão! Saudade! Queridos! Defuntos!

mão morta tricot

Ficha técnica

Masterizado em Setembro de 2023 por Rui Sousa no TSB Studios – Porto. Capa de Jorge Álvares. Editado em Dezembro de 2023. Edição original Garagem.

CONCERTO ANIKI BOBÓ

  • Adolfo Luxúria Canibal – voz
  • Joaquim Pinto – baixo, teclas
  • Miguel Pedro – bateria, baixo, percussões
  • Zé dos Eclipses – guitarra

Gravado e misturado ao vivo em 21 de Dezembro de 1985 por Bula no Aniki-Bobó – Porto. Produção de Mão Morta.

CHABALA

  • Adolfo Luxúria Canibal – voz
  • Joaquim Pinto – baixo
  • Miguel Pedro – percussões
  • Zé dos Eclipses – guitarra

Gravado e misturado em Abril de 1985 por Bula no apartamento de Joaquim Pinto – Braga. Produção de Bula.

E SE DEPOIS

  • Joaquim Pinto – baixo
  • Miguel Pedro – percussões, voz
  • Zé dos Eclipses – guitarra, voz

Gravado e misturado em Outubro de 1985 por Bula no apartamento de Joaquim Pinto – Braga. Produção de Zé dos Eclipses.

FACAS EM SANGUE, BÓFIA e 1.º DE NOVEMBRO

  • Adolfo Luxúria Canibal – voz
  • Joaquim Pinto – baixo, coro
  • Miguel Pedro – bateria, coro
  • Zé dos Eclipses – guitarra, coro

Gravado e misturado em Dezembro de 1985 por Bula na Casa da Bela Vista – Braga. Produção de Bula.

VÉUS CAÍDOS e OUB’LÁ

  • Adolfo Luxúria Canibal – voz
  • Joaquim Pinto – baixo
  • Miguel Pedro – bateria
  • Zé dos Eclipses – guitarra
  • Carlos Fortes – guitarra

Gravado e misturado em Setembro de 1986 por Bula no Auditório do Inatel – Braga. Produção de Bula.

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