Miguel Pedro
Adolfo Luxúria Canibal
ATENÇÃO! ATENÇÃO!
AVISO À POPULAÇÃO!
ATENÇÃO! ATENÇÃO!
AVISO À POPULAÇÃO!
Esta madrugada deu-se uma fuga do Sector dos Lazeres. O grupo Mão Morta abandonou o nicho alternativo que ocupava no mercado do entretenimento. Os seus membros, aptos a exercer diferentes ofícios, podem facilmente infiltrar-se noutros Sectores da nossa democracia. São considerados perigosos. Repito: SÃO CONSIDERADOS PERIGOSOS! Qualquer informação relativa a estes indivíduos deve ser imediatamente comunicada ao jornalista da sua área.
ATENÇÃO! ATENÇÃO!
AVISO À POPULAÇÃO!
ATENÇÃO! ATENÇÃO!
AVISO À POPULAÇÃO
Adolfo Luxúria Canibal
Olá!
O meu nome é Adolfo Luxúria Canibal
e sou o porta-voz do grupo.
Adolfo Luxúria Canibal / Vasco Vaz
Somos anjos de pureza
Evadidos dos Lazeres
Carregamos a tristeza
Não trazemos mais haveres
Era tudo em vão
Um brincar sem dor
Sem qualquer paixão
Que nos desse ardor
Nosso sonho era o arrepio
Deste mundo a ser mudado
Só tivemos o fastio
De um objecto a ser comprado
Era tudo em vão
Um brincar sem dor
Sem qualquer paixão
Que nos desse ardor
Foi apenas um lugar
Onde à falta de faca
Aprendemos a manejar
Os cotovelos e o olhar
Somos anjos de pureza
Evadidos dos Lazeres
Carregamos a tristeza
Não trazemos mais haveres
Adolfo Luxúria Canibal
Olá!
O meu nome é Miguel Pedro
e sou o intelectual do grupo.
Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro
Avanço lesto
Por entre a multidão
Insana presa
De ecrãs de teelvisão
Alarmes soam
Em todo o quarteirão
Disparos gritos
Lançando a confusão
É guerra sem quartel
De empresas rivais
Na busca do controle
De mercados locais
Ou então... Ou então...
Encena-se um directo
Para a teelvisão
Sirenes passam
Em grande aceleração
Olhando para
Ecrãs de teelvisão
O caso surge
Com outra dimensão
Imagens com voz
Servindo de guião
É guerra sem quartel
De empresas rivais
Na busca do controle
De mercados locais
Ou então... Ou então...
Encena-se um directo
Para a teelvisão
Adolfo Luxúria Canibal / José Pedro Moura
É a favor ou contra
O uso de menores na publicidade?
Adolfo Luxúria Canibal
Atentado no metropolitano provoca onze mortos e três dezenas de feridos. Imagens de terror as vividas esta tarde na estação do Mercado de Capitais e que a cadeia de teelvisão OTV transmitiu em directo. Eram 16 e 45 quando dois encapuçados irromperam no átrio da estação e dispararam indiscriminadamente sobre as pessoas que aguardavam a chegada do metro. Segundo o Serviço de Protecção Civil, cinco dos trinta e três feridos estão em estado grave. A tragédia podia ter sido muito maior se minutos antes não tivesse passado um comboio que praticamente esvaziou a estação. O atentado ainda não foi reivindicado. Pelas suas características, a polícia acredita que tenha sido obra da organização terrorista BRUM – Brigada de Reabilitação Universal das Madrastas.
Adolfo Luxúria Canibal / António Rafael
Ao serviço da falácia
O pensar unificado
Na redoma do rentável
É pensar manipulado
Enterrado o machado de guerra
Sob o peso da algoz propaganda
Dão-se loas a quem nos encerra
Na servil condição de demanda
Como a negra escuridão
Que sonega o existente
Muita luz torna indistinto
O que está bem evidente
Enterrado o machado de guerra
Sob o peso da algoz propaganda
Dão-se loas a quem nos encerra
Na servil condição de demanda
Adolfo Luxúria Canibal
Olá!
O meu nome é José Pedro Moura
e sou o drogado do grupo.
Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro
Testemunha ocular da miséria mental
Que é mistificar a tristeza banal
De viver a juntar tanta coisa vital
Para a vida vulgar parecer divinal
E com isso ocultar a pobreza real
De um gesticular reduzido a sinal
Não consigo calar a origem deste mal
Que nos anda a atacar a todos por igual
Tudo assenta
No consumo e produção
São as tetas
Desta nossa alienação
Trabalhar ou morrer é-nos dado escolher
O trabalho é direito transmutado em dever
Não se pode morrer já lá diz o preceito
E se formos a ver não há nada a escolher
Para sobreviver o trabalho é foral
Não morrer consumindo não se chama viver
O consumo é o aval para se ir produzindo
E com seu acrescer fecha o ciclo infernal
Tudo assenta
No consumo e produção
São as tetas
Desta nossa alienação
São as tetas
O consumo e a produção
São as tetas
Da nossa alienação
Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro
Foram os Mão Morta com um tema do seu mais recente disco “Há Já Muito Tempo Que Nesta Latrina O Ar Se Tornou Irrespirável”. Depois de uma espectacular fuga do mercado do entretenimento e de uma meteórica aparição no mercado da cultura, com “Müller no Hotel Hessischer Hof”, os Mão Morta surgem agora a atacar a sociedade de consumo e o lugar de mercadoria que ela lhes destina. O novo trabalho, já à venda nas boas discotecas, levanta fundadas interrogações quanto ao futuro do grupo. É que a partir daqui nada será como dantes.
Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro
Um cidadão bem informado
Lê o jornal e vê a TV
Adolfo Luxúria Canibal / António Rafael
É um jogo a que não podemos jogar
Um jogo de que somos os espectadores
Um jogo de desconhecidos jogadores
Um jogo a que nunca iremos ganhar
Olha a menina a dançar tão bela no seu saltitar
Canta a roleta a rodar mistérios da sorte e do azar
Olha a menina a dançar quem vai com ela ficar?
Canta a roleta a rodar mistérios da sorte e do azar
É um jogo feito para nos comandar
Um jogo de que desconhecemos as regras
Xadrez de que se retiraram as negras
Um jogo feito para nunca acabar
Olha a menina a dançar tão bela no seu saltitar
Canta a roleta a rodar mistérios da sorte e do azar
Olha a menina a dançar quem vai com ela ficar?
Canta a roleta a rodar mistérios da sorte e do azar
É a nossa a vida que está em jogo
É a nossa a vida que outros jogam
Adolfo Luxúria Canibal
Olá!
O meu nome é Vasco Vaz
e sou o cigano do grupo.
Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro
Anda eufórica toda a gente
Com a era da informação
Fechada em casa ligada à rede
Ou grudada à teelvisão
Na vertigem das notícias
Em constante circulação
Sempre mais e mais depressa
Tornou-se a grande obsessão
“- É a aldeia global” - explicam num júbilo imbecil, prontos a desfilar o rosário de maravilhas dos novos tempos, sem discernirem que aldeia sempre foi sinónimo de isolamento e conformismo, de mesquinhez, aborrecimento e mexerico e que, de qualquer modo, o que verdadeiramente importa se mantém secreto.
Do além-mar ou da máfia
Julgam que tudo se pode saber
Economia ou política?
O difícil é o escolher
Crimes de sangue relatos de amor
São mais fáceis de perceber
“- É a aldeia global” - explicam num júbilo imbecil, prontos a desfilar o rosário de últimos acontecimentos, sem discernirem que, contrariamente ao mundo observado directamente, em que a relação com o real é absoluta, estão a consumir meros resumos simplificados de realidade, manipulados num fluxo de imagens de que são simples espectadores e cuja escolha, cadência e direcção não controlam nem têm possibilidade de verificar a veracidade e em que, finalmente, no frenesim meticulosamente planeado de dados surpreendentes, o que verdadeiramente importa se mantém secreto.
O que importa é saber
Onde raio se oculta o poder
Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro
O desejo tem um nome
E esse nome é Yracub
Adolfo Luxúria Canibal
Terminou sem qualquer acordo a 23ª Conferência das Nações. Reunida com o objectivo de discutir um limite para o número de vítimas de atentados causados pela concorrência empresarial, sobre a mesa estava uma proposta das Organizações Não Governamentais para reduzir, até 2010, o número global de vítimas em 20%, menos um milhão do que as actualmente verificadas. A União dos Estados Avançados, responsável por mais de 50% dos números existentes, considerou a proposta irrealista, com consequências catastróficas para a economia da União e economia mundial. No que apelidou um gesto de boa vontade, a U.E.A. propôs um compasso de espera para a reconversão da indústria, através da manutenção do actual número de vítimas até 2010. A Comunidade de Estados concorda em reduzir o número de vítimas mas defende uma calendarização diferente: propõe menos 5% até 2001, 10% até 2010 e 20% até 2015. O escalonamento é justificado com os custos de adaptação que a redução implica. Por sua vez, a Federação dos Estados do Sul, defensora da redução global proposta, reivindica um aumento de 40% da sua quota de vítimas, de forma a atingir o nível da União dos Estados Avançados. Face ao impasse das negociações foi marcada nova Conferência das Nações para 2001. Até lá, estima-se que o número de vítimas ultrapasse os seis milhões por ano.
Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro
Desfraldemos a bandeira
Trapo negro bebedeira
E brindemos à revolta
Nossa musa desenvolta
Contra a pilhagem da volúpia
A volúpia da pilhagem
Ocupemos a trincheira
Que a jornada é guerreira
E cantemos a recusa
Deste mundo que nos usa
Contra a pilhagem da volúpia
A volúpia da pilhagem
Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro
A revolução é o remédio
Para os que sofrem de tédio
Adolfo Luxúria Canibal
Olá!
O meu nome é António Rafael
e sou o judeu do grupo.
Adolfo Luxúria Canibal / António Rafael
Tenho os passos vigiados no labirinto das notícias. Das estatísticas não consigo escapar. Quimeras mercantis e mexericos mediáticos invadem-me a solidão. A realidade não existe. A fuga é para lado nenhum.
Tive uma ideia, tive uma ideia – vamos fugir!
Tive uma ideia, tive uma ideia – foge comigo!
A informação está em toda a parte. Mil olhos nos vigiam. Ninguém sabe quem dá as ordens. Mas elas cumprem-se. A teelvisão transmite-nos a realidade, transmite-nos as ordens. Eu cumpro. A única fuga é a loucura.
Tive uma ideia, tive uma ideia – vamos fugir!
Tive uma ideia, tive uma ideia – foge comigo!
Tenho um grilo falante um grilo falante
Um pateta desastrado desastrado
Um cavaleiro andante cavaleiro andante
Um pardal alucinado alucinado
Tenho uma top-model uma top-model
Um vingador implacável implacável
Tenho um prémio Nobel tenho um prémio Nobel
Uma amante insaciável insaciável
Tenho um serial killer tenho um serial killer
Tenho Deus disfarçado Deus disfarçado
Sou o maior dealer sou o maior dealer
Que se encontra no mercado
Adolfo Luxúria Canibal
Olá!
O meu nome é Sapo
e sou o proleta do grupo.
Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro, Vasco Vaz
Esquecida a perspectiva
Da história colectiva
Todos falam sem temer
Que os possam desdizer
Sem futuro nem passado
O presente é instante
A outro instante colado
Sem futuro nem passado
O presente é instante
A outro instante colado
Sem futuro nem passado
Não se pode aferir
Se nos estão a mentir
Se há mesmo novidade
Ou se é truque de mercado
Não sabendo a verdade
Do problema colocado
Não se pode definir
A estratégia a seguir
Sem futuro nem passado
O presente é instante
A outro instante colado
Sem futuro nem passado
O presente é instante
A outro instante colado
Sem futuro nem passado
Um mundo assim governado
É um mundo condenado
Adolfo Luxúria Canibal
Mais um dia de euforia na Bolsa de Valores, com as acções da Elektra, S.A. a subirem perto de 400%. Esta manhã, com a abertura do mercado, as acções da Elektra, S.A. estavam cotadas a 1.100$00, preço já bastante acima do seu valor nominal de 500$00. Apesar disso, as ordens de compra sucederam-se durante todo o dia e quando do encerramento do mercado as acções da empresa estavam a ser transaccionadas a 5.200$00. Os especialistas prevêem que durante os próximos dias se mantenha a tendência altista. A Elektra, S.A. explora os novos eléctricos rápidos, que neste momento é o meio de transporte mais utilizado pela população. Os novos eléctricos, a que também chamam metro de superfície, são tidos como o meio de transporte mais seguro, sobretudo depois da série de atentados que nos últimos tempos ocorreram no metropolitano. Estima-se que a Elektra, S.A. venha a terminar o ano com um lucro de 3 milhões e meio de contos, o que pode explicar o interesse dos investidores pelas acções da sociedade.
Adolfo Luxúria Canibal / José Pedro Moura
O comércio tradicional
Deseja-lhe um Feliz Natal
Gravado em Novembro e Dezembro de 1997 e misturado em Janeiro de 1998 por João Martins e Luís Caldeira nos Estúdios de Paço D’Arcos – Oeiras. Masterizado em Março de 1998 por João Martins, Fernando Rascão e Amândio Bastos nos Estúdios de Paço D’Arcos – Oeiras e no Estúdio Nuvem Eléctrica – Lisboa. Produção de Mão Morta e João Martins. Capa de Sónia Teixeira Pinto, João Afonso e Bruno Canas. Editado em Abril de 1998. Edição original NorteSul.
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