Mão
Morta

mão morta

Mão Morta

E se depois

Zé dos Eclipses / Zé dos Eclipses, Miguel Pedro

E se depois
O sangue ainda correr
Corre atrás dele

E se depois
O fogo te perseguir
Aquece-te nele

E se depois
O desejo persistir
Consome-te nele

E se depois
O sangue ainda correr
Corre atrás dele

E se depois

Até cair

Adolfo Luxúria Canibal / Carlos Fortes

Seduzido pelo rodopio
Embriagado de vertigem
Os néons ferindo como gritos
Deixo-me possuir pelo frémito da multidão
Num desejo de girar sem parar
Até cair até cair

Tudo são sombras difusas
Incertezas especulações sem sentido
Uma mulher disforme e cara esborratada

Insiste para que lhe apalpe os seios flácidos
Quero mais é o rodopio
A lascívia sem fim deste carrossel atroz

Sitiados

Adolfo Luxúria Canibal / Carlos Fortes

Em volta
O triturar exausto de máquinas infernais
Tráfego tráfego & punhais
Fábricas prédios em construção
Néons buzinas tudo em combustão!
E a terna poesia
De uma sucata sombria
Dejectos & detritos
Em abraços de ferrugem
Gritos!

Sitiados!

Ao longe
Um campo de cruzes retorcidas
Relampejando do sol-pôr brumas homicidas...

Tráfego tráfego & punhais...
& punhais...

Sitiados!

Oub’ Lá

Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro

Oub´lá que é que estás a fazer?
Quero é que tu te bás foder!
Qual é a tua identidade?
Perdi-a aí pela cidade!
Para que é que estás todo à manière?
Ando a ber se faço uma mulher!

Rouba! Rouba! Rouba! Rouba!
Os que te querem bem!
Rouba! Rouba! Rouba! Rouba!
Os que te querem mal!

Oub' lá que é que estás a fazer?
Quero é que tu te bás foder!
Qual é a tua identidade?
Perdi-a aí pela cidade!
Que fazes c' a carteira do Tó?
Quero guita para ir buscar pó!

Rouba! Rouba! Rouba! Rouba!
Os que te querem bem!
Rouba! Rouba! Rouba! Rouba!
Os que te querem mal!

O lume aceso, árduo, desta paixão
Adoeceu em mim o canto
Os puros exercícios da razão
Levando para longe o encanto
Sombra e mágoa, de um rosto amado.

Como se faz noite dentro de mim!
O vento uivando nas catedrais
O ar rarefeito de punhais:
São presságios de uma dor sem fim
Na cor poente de um céu inflamado.

Carícias Malícias

Adolfo Luxúria Canibal / Zé dos Eclipses

Que saudades eu tenho de tuas carícias malícias delícias
Tuas mãos navegando meus caracóis
Loiros de mil sóis
Tua língua lambuzando minha boca louca pouca
Teu corpo meu corpo

Aparta-os um comboio infernal maquinal sempre igual
Viagem dantesca por subúrbios

Carregados de distúrbios
Morte grotesca de toda a volição emoção paixão
Teu querer meu querer

Sonho alucinado com um cataclismo malabarismo autoclismo
Capaz de destruir toda a distância
Quanta ânsia
O definitivo emergir de nossos desejos ensejos gracejos
Teu sentir meu sentir

Que saudades eu tenho de tuas carícias malícias delícias
Tuas mãos navegando meus caracóis
Loiros de mil sóis
Tua língua lambuzando minha boca louca pouca
Teu corpo meu corpo

Aum

Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro, Mão Morta

Quem vem do cemitério pela rua do antigo teatro, chegando ao largo onde estão as ruínas da igreja dos Jesuítas, vira à direita, para a rua da estação do caminho-de-ferro, e segue sempre em frente, acompanhando a linha do comboio, até chegar a um barracão a que chamam museu e onde guardam as velhas locomotivas a vapor e as ferrugentas carruagens de bancos de madeira. Aí, mete pela rua onde não passam carros até chegar a um quiosque, daqueles redondos, frente ao qual, do lado esquerdo da rua, existe um cafezinho com esplanada onde ainda servem café de saco. Entra pelo café e sai pela outra porta, que dá para a rua do jardim. Contorna depois o lago dos cisnes, em direcção ao cruzamento com semáforos, e mete pela avenida do cinema, no sentido do novo bairro administrativo, até chegar a um arranha-céus acabado de construir. Aí, vira à direita, para a rua que passa pelas piscinas recentemente inauguradas e, chegando ao centro comercial em construção, aquele que dizem vir a ser o maior da Europa, com não sei quantas lojas e não sei quantos andares, enfia pela rua que ladeia os terrenos destinados ao futuro complexo desportivo no fim da qual encontra a maternidade. O tempo não espera por mim! O tempo não espera por mim!

mão morta

Ficha técnica

Gravado em Março e misturado em Abril e Junho de 1988 por Amândio Bastos nos Estúdios de Paço D’Arcos – Oeiras. Produção de Bula e Amândio Bastos. Capa de José Carlos Costa. Editado em Julho de 1988. Edição original Ama Romanta.

  • Adolfo Luxúria Canibal – voz
  • Zé dos Eclipses – guitarra, baixo, voz
  • Carlos Fortes – guitarra, voz
  • Joaquim Pinto – baixo
  • Miguel Pedro – bateria, guitarra, piano, voz

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