Zé dos Eclipses / Carlos Fortes
São ventos animais,
Rugidos, trovões,
Crescem dentro, dentro
Até nunca mais.
São feras nos quintais,
Corações felpudos,
Saltam dentro, dentro
Em acrobacias bestiais.
São anjos desleais,
Agentes secretos,
Do fundo, dentro, dentro
Sopram vendavais.
São ventos animais,
Doenças, traições,
Crescem dentro, dentro
Até nunca mais.
Adolfo Luxúria Canibal / Carlos Fortes
Cá vou eu no meu Trabi
De bar em bar a aviar
Sempre a abrir a noite toda
Sempre a rock & rollar
Charro aqui charro ali
Mais um vodka para atestar
Corro Peste corro Buda
Sempre a rock & rollar
As noites de Budapeste
São noites de rock & roll
Pelas caves da cidade
São só bandas a tocar
Pondo tudo em alvoroço
Tudo a rock & rollar
Mulheres lindas de morrer
Mini-saias a matar
Não tem fim o reboliço
Tudo a rock & rollar
As caves de Budapeste
São caves de rock & roll
Cá vou eu no meu Trabi
De bar em bar a aviar
Sempre a abrir a noite toda
Sempre a rock & rollar
Charro aqui charro ali
Mais um vodka para atestar
Sempre a abrir a noite toda
Sempre a rock & rollar
As noites de Budapeste
São noites de rock & roll
Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro
Testemunha ocular da miséria mental
Que é mistificar a tristeza banal
De viver a juntar tanta coisa vital
Para a vida vulgar parecer divinal
E com isso ocultar a pobreza real
De um gesticular reduzido a sinal
Não consigo calar a origem deste mal
Que nos anda a atacar a todos por igual
Tudo assenta
No consumo e produção
São as tetas
Desta nossa alienação
Trabalhar ou morrer é-nos dado escolher
O trabalho é direito transmutado em dever
Não se pode morrer já lá diz o preceito
E se formos a ver não há nada a escolher
Para sobreviver o trabalho é foral
Não morrer consumindo não se chama viver
O consumo é o aval para se ir produzindo
E com seu acrescer fecha o ciclo infernal
Tudo assenta
No consumo e produção
São as tetas
Desta nossa alienação
São as tetas
O consumo e a produção
São as tetas
Da nossa alienação
Adolfo Luxúria Canibal / António Rafael
É um jogo a que não podemos jogar
Um jogo de que somos os espectadores
Um jogo de desconhecidos jogadores
Um jogo a que nunca iremos ganhar
Olha a menina a dançar tão bela no seu saltitar
Canta a roleta a rodar mistérios da sorte e do azar
Olha a menina a dançar quem vai com ela ficar?
Canta a roleta a rodar mistérios da sorte e do azar
É um jogo feito para nos comandar
Um jogo de que desconhecemos as regras
Xadrez de que se retiraram as negras
Um jogo feito para nunca acabar
Olha a menina a dançar tão bela no seu saltitar
Canta a roleta a rodar mistérios da sorte e do azar
Olha a menina a dançar quem vai com ela ficar?
Canta a roleta a rodar mistérios da sorte e do azar
É a nossa a vida que está em jogo
É a nossa a vida que outros jogam
Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro
Caminho em silêncio
Distraído por um pensar
Que me turba o andar
Penso que penso
E fico a ouvir-me a pensar
Que penso que penso
Este pensamento
Torna-se um tormento
Penso que penso
Que penso que penso
Sempre o mesmo a dobrar
Como vozes a segredar
Penso que penso
Que penso que penso
Que ainda vou flipar
Flipar
ESTOU FARTO DE MIM!
Já não posso mais andar
Com tanta voz a murmurar
Levado pelo vento
Penso que penso
Que penso que penso
Que penso que penso
E se penso em parar
É mais um pensamento
Que me fica a ecoar
Outra voz a segredar
Outra voz a murmurar
Murmurar
Murmurar… murmurar… murmurar…
ESTOU FARTO DE MIM!
Adolfo Luxúria Canibal / Carlos Fortes
Quero morder-te as mãos!
O teu sexo pelado
Faz de mim um escravo
Animal desvairado
Ansiando teu travo
Quero morder-te as mãos!
Quero-te a urina na boca
Dilacerar-te a valer
Até ficares com a voz rouca
Quero matar e morrer
Quero morder-te as mãos!
Adolfo Luxúria Canibal / Vasco Vaz
Somos anjos de pureza
Evadidos dos Lazeres
Carregamos a tristeza
Não trazemos mais haveres
Era tudo em vão
Um brincar sem dor
Sem qualquer paixão
Que nos desse ardor
Nosso sonho era o arrepio
Deste mundo a ser mudado
Só tivemos o fastio
De um objecto a ser comprado
Era tudo em vão
Um brincar sem dor
Sem qualquer paixão
Que nos desse ardor
Foi apenas um lugar
Onde à falta de faca
Aprendemos a manejar
Os cotovelos e o olhar
Somos anjos de pureza
Evadidos dos Lazeres
Carregamos a tristeza
Não trazemos mais haveres
Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro
Oub´lá que é que estás a fazer?
Quero é que tu te bás foder!
Qual é a tua identidade?
Perdi-a aí pela cidade!
Para que é que estás todo à manière?
Ando a ber se faço uma mulher!
Rouba! Rouba! Rouba! Rouba!
Os que te querem bem!
Rouba! Rouba! Rouba! Rouba!
Os que te querem mal!
Oub' lá que é que estás a fazer?
Quero é que tu te bás foder!
Qual é a tua identidade?
Perdi-a aí pela cidade!
Que fazes c' a carteira do Tó?
Quero guita para ir buscar pó!
Rouba! Rouba! Rouba! Rouba!
Os que te querem bem!
Rouba! Rouba! Rouba! Rouba!
Os que te querem mal!
Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro, Zé dos Eclipses
O bófia empurrava-me e dizia para desandar. Eu não podia compreender porquê. Quis-lhe perguntar. O bófia sacou do cassetete e deu-me com ele uma, duas, três vezes nos costados. Senti um choque eléctrico percorrer-me o corpo. E uma humilhação que não podia ficar impune. Não percebia porque é que ele me batia. Quis-lhe perguntar. Mas o gajo continuou a dar-me cacetadas. E já outros bófias se aproximavam de cassetete na mão. Não ia ficar para ali, especado, feito bombo da festa. Uma raiva surda trepava- me à cabeça. Ah que raiva! Quando dou conta mandava-lhe uma joelhada aos tomates. Senti-os a espalmar de encontro ao joelho. Já os outros bófias descarregavam sobre mim os seus cassetetes virados ao contrário. Senti uma dor de vertigem quando um me acertou na cara. Percebi que a carne se rasgava e que um esguicho de sangue me inundava os olhos. Já me acertavam por todos os lados. Mas não interessava. Já nada interessava.
Sede de sangue! Sede de sangue!
Já nada interessava. A não ser aquele bófia agarrado aos tomates. Num último esforço disparo-lhe um pontapé à cara. Assim, de baixo para cima – pás! Senti a biqueira da bota entrar-lhe pelas fuças dentro. Os ossos a quebrar. Os dentes a saltar numa baba de cuspo e sangue. Os outros bófias continuavam a descarregar sobre mim os seus cassetetes virados ao contrário. Mas eu já nada via. Só sangue. Dores. Senti-me dobrar. Cair. Aaaaaaaaahhh!...
Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro
Abriu a primeira porta que viu à mão e entrou
Os seus olhos fotografaram instantaneamente o quarto
Viu-a pelo espelho, imóvel, no limiar da porta
Ela adiantou-se; ele tirou a pistola da algibeira
Estremeceu na noite fria envolta em nevoeiro
Havia vagões e pilhas de carvão por todos os lados
Dentro da casa não havia sinal de vida
Enfiado pela chaminé estava um corpo de mulher
Quem matou a chabala?
Gravado ao vivo em 19 de Novembro de 2008, em 6, 21 e 27 de Março de 2009 e em 1 e 18 de Abril de 2009 por Nuno Couto, durante a digressão Ventos Animais, respectivamente no Cineteatro João Mota – Sesimbra, no Teatro Sá da Bandeira – Porto, no Teatro Cine – Torres Vedras, no CAE São Mamede – Guimarães, no Cinema São Jorge – Lisboa e no Auditório do Parque de Exposições - Braga e misturado e masterizado em Outubro de 2014 por Zé Nando Pimenta no Estúdio Meifumado – Vila Nova de Famalicão. Capa de Andreia Alves Mendes sobre desenho de Valter Hugo Mãe. Editado em Novembro de 2014. Edição original NorteSul/Cobra.
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